segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Uma Noite de Cão...

Um conto de João Batista da Cunha, baseado em fatos reais. Acredite quem quiser.

Jardel é um homem bom, é casado, tem filhos, leva uma vida pacata em uma cidade do interior do Brasil. É uma pessoa muito educada, atenciosa, de boa convivência no seu ambiente de trabalho. É muito religioso e pauta a sua vida na trilha do Evangelho do Senhor Jesus Cristo. É uma criatura muito sensível, suficientemente capaz de entender o sofrimento alheio. Impressionante como ele é impressionável – é hemofóbico: tem horror a sangue. Descobriu isto quando a agulha da máquina de costura atravessou a unha do dedo indicador de sua esposa Emília. Quebrou- se e ficou dentro da respectiva falange. Encaminhada ao pronto socorro, Jardel assiste, ou melhor, tenta assistir a intervenção cirúrgica, pois quando o médico pega o bisturi e começa o seu trabalho de retirada da unha, o sangue vem à tona e Jardel sofre um desmaio e cai com o corpo desgovernado ao pé do médico...

Jardel é policial militar. Trabalha como plantonista noturno no atendimento às chamadas telefônicas do terminal (190), quando na oportunidade, destina as viaturas para os locais de ocorrências.

Por ser uma cidade pequena, o centro de policiamento funciona em um prédio de dois andares alugado pelo estado. No andar de cima funciona a parte administrativa e um pequeno alojamento para alguns policiais solteiros. No térreo, fica simplesmente a sala de atendimento ao público.

Durante a noite, apenas dois policiais guardam o destacamento – O sargento Jardel no plantão telefônico, e um soldado de sentinela na parte externa do prédio, que tem fama de ser assombrado...

Foi numa sexta-feira treze... A noite parecia estar calma... Em um dado momento, Jardel percebe um vento muito forte, olha para fora e nota os galhos das árvores sacudir com violência e sai fechar as janelas e portas que se chocam com estardalhaços nos respectivos batentes. Volta a calmaria. Jardel vai de encontro ao soldado que está de sentinela e lhe diz: você viu a ventania que aconteceu agora mesmo? Achei que ia chover... – Não, o senhor deve estar enganado, não vi nada disso acontecer! – Como não, se até as portas e as janelas bateram e você não ouviu o barulho? – Sinceramente, acho que o senhor teve uma alucinação. Não aconteceu nada, nada do que me disse... - Pois eu juro que vi e ouvi tudo!

Jardel volta desapontado para o seu posto de trabalho.

A madrugada é longa demais para quem precisa ficar de vigília.

Jardel sai à rua, a uns cinqüenta metros até a esquina para espantar o sono. Observa que o asfalto está marcado por pegadas nítidas de sangue que vai se estendendo por um longo trecho da avenida. Já disse acima que ele tem hemofobia - horror a sangue. Chama uma viatura policial e determina a investigação. Pode ser que alguém foi baleado e na fuga, deixou as marcas de sangue. Encontraram a vítima. Era um cão Pastor Alemão com um ferimento em uma das patas, nada mais do que isto, felizmente.

A noite prossegue... O silêncio impera e raramente o telefone toca... De repente, Jardel ouve passos no andar de cima. Pensa que alguém acordou para ir ao banheiro... De fato, foi. O indivíduo pegou a sua arma e acabou com a sua vida dando um tiro na cabeça. Jardel ouve o disparo de forma abafada. Vai até o sentinela e pergunta: Você ouviu o que eu ouvi? – O senhor ouviu o quê? – Um estampido vindo lá do andar de cima. – acho que o senhor se enganou mais uma vez. Não estou ouvindo nem zumbido de mosquito. – Pois eu lhe afirmo que ouvi e já vou verificar o que está ocorrendo. Subiu os degraus da escada, com um pouco de medo do que poderia encontrar. Entra no alojamento. Está tudo normal. Vai à outras repartições; vê uma porta semi-aberta, a da sala de armas, e depara com o corpo de um colega caído ao solo do banheiro ao lado, todo ensangüentado. Não acredita no que vê, mas precisa ser forte para cumprir o seu dever de comunicar o fato ao seu chefe imediato para as providências cabíveis.

Jardel está em estado de choque e a custo termina o seu plantão. Vai para a casa, relata os fatos à sua esposa, mas não consegue dormir. Chega a hora do almoço. É hora de ir à pensão para buscar as marmitas como de costume. Nunca havia antes entrado na cozinha, mas, neste dia por uma coincidência macabra, entra e leva um grande susto: vê a pedra de mármore que serviu, para o preparo de carnes cobertas de sangue. Os acontecimentos da noite afloram na sua memória, suas vistas escurecem, as suas pernas amolecem, e ele cai desacordado no piso frio da cozinha.

Jardel tinha horror a sangue.

Tenho Dito!

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